terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Há de haver amor em SP

Revivendo o blog já que muito anda passando na cabeça e, por mais que a gente encontre várias outras maneiras de se expressar, o bom é velho papel em branco é quase terapêutico.
Neste Carnaval, algo não combinou com o clima festivo. Ser abordada dentro do carro, roubada e fazer parte das estatísticas da violência de São Paulo não é algo agradável em nenhuma época do ano, muitos menos no Carnaval aonde todo os ânimos e alegrias estão a flor da pele. Passado o susto e as devidas burocracias como cancelar cartão e ir na delegacia, comecei a me questionar sobre os porquês de tamanho abuso contra o próximo, não só para cidadãos comuns, mas os tipos mais velados e silenciosos de violência também. Em nenhum momento senti raiva dos dois meninos que me roubaram: senti medo, temi pela pessoa que estava comigo, mas, não senti raiva.
Uma vez, há pouco mais de um ano, trabalhei pelo TETO em uma favela bastante precária em Guarulhos. Durante 2 meses convivi com as famílias de lá, quase em sua maioria moradoras de barracos de madeira e totalmente negligenciadas pelo governo. Era um submundo de sociedade, aonde crianças conviviam com esgoto a céu aberto em uma condição que estarreceria a qualquer pessoa. Naquele ponto da minha vida já tinha entrado em algumas dúzias de comunidades, mas não pude evitar o choque de estar ali todo final de semana. Chorei incontáveis vezes e questionei o conceito de dignidade e até mesmo de ser humano. Era algo tão absurdo e injusto aquilo que ainda hoje me embrulha o estômago quando relembro aqueles meses. Na ocasião conheci um homem ligado ao crime, e, entre diversas infrações ele também já tinha assaltado carros, mas, para mim na época ele não era apenas um ex assaltante. Tinha nome, idade, passado e sonhava com o futuro. Era pai, filho, marido. Não faço juízo de valor para o caminho que cada um decide levar na vida, mas tenho certeza que estas escolhas se afunilam à medida que pessoas tem menos oportunidades. É como se a pobreza ou falta de acesso à condições mínimas de moradia, saúde e educação por exemplo, tirasse dos cidadãos um pouquinho do seu livre arbítrio. Não tenho nunca a pretensão de, de fato, entender a cabeça dos que optam pelo crime, por ameaçar um semelhante, tirar-lhe a vida e com certeza não acho que este é um fim inevitável para pessoas com reduzidas condições sociais - seria ingênuo e quase maniqueísta da minha parte pensar em algo tão simples como a existência do bem e do mal (e se assim fosse, não teríamos pessoas ricas corrompidas ou desonestas). O sentimento que me domina é de como é estranho viver em um mundo em que a fragilidade da vida é algo que nos permeia diariamente, em que convivemos com tamanha violência e injustiça social. Porque também é violência vivermos em uma cidade tão rica como São Paulo e que abriga milhares de comunidades precárias. O sistema carcerário também é violento em sua essência, não só pelos que lá habitam, mas por suas péssimas instalações e condições básicas. Ou seja, a violência está em todo lugar.
Após sofrermos um assalto colocamos em cheque muitas das nossas crenças sobre questões sociais. Inevitavelmente ponderamos nossas saídas, hábitos, se vamos passar a blindar nossos carros ou deixar de estacionar na rua. Triste para todos termos que passar por isso, mas o que fica em mim é a total convicção de que temos um papel na sociedade para tentar minimizar injustiças sociais de alguma forma. Continuo acreditando no papel de organizações não governamentais como o TETO, em que eu sou voluntária, que trabalha diretamente com comunidades. Acredito que é papel sim do governo oferecer condições básicas para os cidadãos e em não aceitarmos os demais tipos de selvageria que nos acometem como corrupção política ou contra homossexuais e minorias. Como disse a pessoa que estava comigo no assalto, existirá violência sempre que existir desigualdade social.
Aquele morador da favela de Guarulhos continua tendo nome e sobrenome para mim, apesar de suas escolhas. Talvez este seja o ponto: à medida em que nos reconhecemos como seres humanos iguais, ou pelo menos essencialmente parecidos, vamos desenvolvendo uma consciência coletiva de boas ações em relação ao próximo. Assim espero.